quinta-feira, 3 de junho de 2010

O que eu disse..

O que eu disse na apresentação do livro em Lisboa (27.05.10, Livraria Bertrand do Chiado). Ou seja, as notas que escrevi um pouco antes de chegar à livraria, agora passadas a limpo.
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Se um dia eu fosse famoso e fizessem estudos sobre os meus livros, iriam descobrir que neles há mais animais do que pessoas.
Não me refiro a este «O Sorriso Enigmático do Javali», refiro-me aos livros anteriores.
Mesmo assim, apesar de esses livros terem vindo a aparecer, eu sempre quis escrever um livro com histórias de animais. Claro que, como em muitos outros projectos, não consegui.
Só que um dia, ia a regressar a casa, pelo montado, vi uma coisa um bocado macabra – uma garça morta numa vedação de arame farpado. Estive quase uma hora para conseguir tirá-la dos bicos do arame, que a prendiam pelo pescoço. Mesmo morta, eu não podia deixá-la lá.
Enquanto estive naquilo, senti uma enorme tranquilidade. Lembro-me de que estava preocupado com coisas do trabalho, o que tinha para fazer. Estava, como agora é moda dizer, em stress.
Com aquilo da garça no arame farpado, tudo passou. Esqueci-me mesmo das preocupações. Durante esse tempo, muito concentrado, sem perceber como vi um miúdo a fazer o que eu estava a fazer; e na estrada de terra não estava parado o meu carro, mas sim uma pequena bicicleta.
Vi-me um miúdo, e vi naquele momento as imagens da primeira aventura do livro. A da garça, que nem tem garça no título, mas um casal de perdizes.
Foi assim que nasceu este livro, o meu livro dos animais. Foi preciso eu ver um miúdo a libertar a garça morta do arame farpado, a fazer exactamente o que eu estava a fazer.
Na altura o meu filho era ainda pequenino. Era um bebé. Com o passar do tempo, já com o livro a ser terminado, e com muitos outros animais nas suas páginas – a gineta, a rela, o texugo, a cobra, a borboleta, o lagarto, entre outros – , acabei por ver também nessas páginas o pequeno Tukie, que andava pelo montado mais o pai. O meu filho. Eu e o meu filho.
Mas do que eu gostava mesmo era de eu próprio ser o pequeno Tukie. Fica o livro.

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1 comentário:

  1. "Timbuktu", do Paul Auster (edições ASA), é um exemplo que se pode sempre seguir!

    Um abraço

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