sexta-feira, 30 de julho de 2010

Entrevista «JL»

Entrevista de Francisca Cunha Rêgo, sobre o livro «O Sorriso Enigmático do Javali», publicada no «Jornal de Letras» (14.07.10).
.
António Manuel Venda
O triunfo dos animais
.
Há um javali que sorri junto a uma árvore. Uma garça presa no arame farpado. Um gato-bravo que ronda o monte, no meio do Alentejo. Um lagarto com a cauda em forma de clave de sol. Em cada capítulo um novo animal e mais uma aventura para o pequeno Tukie, o rapaz-herói de «O Sorriso Enigmático do Javali», de António Manuel Venda, 42 anos. «É um livro do meu mundo de hoje, mas também do meu mundo de criança, na serra algarvia», conta ao «JL», confessando ainda que sempre quis escrever um livro no qual os animais fossem personagens marcantes. O autor vive, com a família, num monte no Alentejo. O universo do montado e as experiências da vida no campo estão muito presentes nesta obra. Nascido em Monchique, em 1968, tem publicado livros como «O Medo Longe de Ti», «O Amor por entre os Dedos», «O que Entra nos Livros» ou «Uma Noite com o Fogo». É ainda autor do blogue «Floresta do Sul».
.
É o sorriso enigmático do javali que está em destaque, mas todos os outros animais, de uma maneira ou de outra, fazem-nos sorrir. Como imaginou cada história?
As histórias têm sempre um ponto de partida real. O livro narra as aventuras do pequeno Tukie – em todas elas aparecem animais –, mas acaba por ser um livro do meu mundo. É verdade que um dia, ao chegar a casa, vi cinco javalis em correrias e que um deles ficou pelo caminho porque bateu numa árvore. Também houve uma gineta – um gato-bravo – a visitar o monte, e a história dela foi escrita quase colada à realidade.
Em «O Sorriso Enigmático do Javali» narra um universo que presumimos ser o seu. Até que ponto está a sua vida neste livro?
Por um lado, quem lê o livro fica a saber um pouco da minha vida; mas, por outro, não se trata de uma crónica. Claro que encontrar o equilíbrio é difícil. É um livro do meu mundo de agora, mas também do meu mundo de criança, na serra algarvia. Os animais que o miúdo vê, geralmente quando está com o pai, ou então com a mãe, são os que eu via em criança e em adolescente. Mas o que eu gostava mesmo era de ser eu próprio o pequeno Tukie. Não podendo ser, limito-me a ficar de fora, a olhar.
E quem é o pequeno Tukie? O seu filho mais velho? Uma espécie de Tom Sawyer?
Quando comecei a escrever o livro, o meu filho mais velho era um bebé. A primeira ideia era ver-me enquanto criança, com o meu pai a acompanhar-me. Não comecei, portanto, por colocar o meu filho, mas vendo estas histórias agora, depois de escritas, consigo imaginá-lo lá. Pode ver-se no pequeno Tukie uma espécie de Tom Sawyer, sim. Curiosamente, chegou-me há pouco tempo uma reedição desse livro, e na altura lembrei-me do Tukie. São mundos diferentes, embora de certa forma próximos.
Que história quis contar?
Eu sempre quis escrever um livro de animais. Não há muita gente que conheça os meus livros, mas quem os conhece encontra neles mais animais do que pessoas. Mesmo assim, eu pensava que nunca tinha conseguido escrever um livro desses. Até agora. Um dia, ao regressar a casa, encontrei morta numa vedação de arame farpado a garça da primeira aventura narrada no livro. Não consegui deixá-la lá. Eu estava muito cansado, mas parei e fiquei quase uma hora a tirá-la de lá. Foi complicado, ma naquele momento esqueci-me de todos os problemas. Pensei então que podia escrever o meu livro de animais a partir daquela situação. Depois tive muitas dificuldades, avanços, recuos, mas esse foi o ponto de partida. Imaginei que não era eu que estava a tirar a garça do arame, mas um miúdo. E que não era o meu carro que estava parado na berma da estrada, mas uma bicicleta. Aquele miúdo passou-me pelo lado de dentro dos olhos.
E por quê o nome Tukie?
Procurei um nome com uma sonoridade que me agradasse. Se o miúdo fosse o pequeno Joãozinho, ou o pequeno Zé, parece-me que não funcionava. Teria preferido pôr um nome português, mas não consegui. A verdade é que cometi uma gafe, porque no início o miúdo chamava-se Chuckie. Coloquei um excerto do livro no meu blogue e um amigo fartou-se de gozar comigo, lembrando-me que Chuckie era parecido ao nome de um boneco assassino de um filme norte-americano [o Chucky]. Não podia manter o nome, por isso mudei para Tukie, porque gostava da sonoridade. Salvaguardando as devidas distâncias, a Blimunda do Saramago tinha um nome horrível. Foi a mulher dele de então, Isabel da Nóbrega, quem lho trocou. Os livros têm de ter um bocadinho de sorte. Neste caso eu acho que tive.
Escreve que estas são as primeiras aventuras do pequeno Tukie. Podemos esperar mais?
Eu gostava de contar mais histórias como estas, mas isso só seria possível se o livro se tornasse muito conhecido, se tivesse muitos interessados. Tendo em conta a minha dimensão como escritor em Portugal, não é previsível que venha a fazer uma sequela.

1 comentário:

  1. Pois eu diria que essa sequela vai fazer falta. Todos os que leram estas primeiras aventuras ficaram apaixonados pelo pequeno Tukie.
    Assim, aguardamos.
    Um abraço.

    ResponderEliminar