domingo, 30 de maio de 2010

Mais uma personagem

Mais uma personagem do livro, a rela.
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sábado, 29 de maio de 2010

Uma apresentação (Lisboa)

Texto de suporte da apresentação de Luís Carmelo, em Lisboa, na sessão de lançamento do livro (Livraria Bertrand do Chiado, 27.05.10); na foto, Luís Carmelo (ao centro), com o autor e Lúcia Pinho e Melo (da Quetzal), durante a intervenção.
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Um Livro de Horas do nosso tempo
Metamorfose e ambiguidade em «O Sorriso Enigmático do Javali», de António Manuel Venda

Por Luís Carmelo
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«O Sorriso Enigmático do Javali» é um livro sobre a intimidade. Laços chegados à experiência que torna a vida numa escola de pequenos gestos. O minúsculo toma muitas vezes conta da acção, também ela lida e relida através de um microcosmos caprichoso e ditado pela lei das muitas proximidades. Tudo nesta arena ficcional criada por António Manuel Venda é cúmplice, órgão com órgão, interrogando pistas, processos, revelações, o próprio sentido. O protagonista, um jovem baptizado cripticamente por «pequeno Tukie», é o elo fundamental do argumento e o núcleo aventuroso a partir de onde a narrativa constantemente se reinicia. O que acontece por uma dúzia de vezes, desde o primeiro dos incipits que cruza, de modo meteórico, o movimento de duas perdizes, a memória de uma garça, o olhar atento do protagonista e a terra da «Herdade do Convento», que se anuncia como geografia nevrálgica de todo o relato.
O pequeno Tukie testemunha, ao longo das doze estações deste ciclo ficcional, um conjunto de factos que resvalam, de modo súbito, de uma esfera normal e verosímil para uma outra, cuja identidade nunca se fecha ou declara. Aliás, é esse estado de metamorfose sempre em suspenso, ou de laboratório em contínua efabulação, que liga – repito intimamente – as doze histórias que compõem «O Sorriso Enigmático do Javali».
Existe realmente um pasmo de media res – um enredo que respira fundo sem que se lhe conheça início ou fim precisos – que atravessa todos estes relatos, cuja simetria assenta mais na alegoria dos propósitos do que na ficção narrativa propriamente dita, enquanto agir que tende para o abismo de um clímax. Um pouco como no «Émile», de Rousseau, embora elevado ao maravilhoso, o quadro geral desenha, na boca de cena, o pequeno Tukie e o pai e, junto ao pano de fundo, a bebé, a mãe e os cães. Como, aliás, se sintetiza no final da décima história em jeito de concatenação fotográfica.
Mas o que concede a singularidade a este livro de António Manuel Venda é o modo delicado e enraizado (nos elementos puros) com que é posta em prática a metamorfose em suspenso que vai moldando cada uma das doze histórias. Se levarmos a cabo uma visita guiada a estas viragens que nunca desocultam completamente o seu rosto e o seu molde, apercebemo-nos de que são variadas, quer pela natureza dos seus agentes, quer ainda pelo deslumbramento e pelas quase aparições que sugerem.
Tudo se inicia pelo mistério da garça e da fotografia, em «1. Depois das perdizes paradas (pp. 14/ 15), quando o que se vê e o que acontece se digladiam. Depois, é enunciada uma virtude nobre, o riso, que é imputada a um javali. Tal como na visão de Pirandello, a causa do riso parece estar no próprio motivo do riso. Ora leia-se: «Os dentes daquele javali, bem perigosos, parecendo afiados, dentes com restos de terra e ervas, esses dentes o pai do pequeno Tukie não sabia como classificar, mas esses dentes, junto com o focinho de javali, formavam uma espécie de sorriso.» («2. O sorriso enigmático do javali» – p. 21). Na terceira história, surge uma gineta que «tinha uma motosserra no estômago» prestes a explodir («3. Gina Gineta» – p. 31). Logo a seguir, em «4. A águia que subia» (pp. 42/ 43), aparece no céu uma bola ou bala de canhão que não passa afinal de uma águia. Tal como na quinta história, uma cobra aparece a voar como um gafanhoto ou um zangão («5. Uma cobra para três corvos» – p. 49). A meio do livro, há espaço para um deputado a quem falta uma parte da cabeça («6. O deputado das lebres extraterrestres» – pp. 58/ 59) e, também, para a quase ressurreição da gata Malhas («7. Talvez a segunda vida» – p. 69). Na oitava e na nona histórias, as intermitências tomam conta do relato. É a borboleta que se materializa e desmaterializa ao mesmo tempo, em «8. A borboleta do imperador Ming» (p. 71), e é o lagarto que aparece e desaparece e que – já agora – também ri como o javali (em «9. O lagarto da clave de sol» – p. 77 e p. 82). As duas histórias seguintes oscilam entre a magia e a singularidade. É o caso do ouriço «atrapalhado» que não se enrola diante do pequeno Tukie, em «10. Animal doméstico» (p. 87), e é o caso do texugo gordo que se comporta – imagine-se – como um cão, em «11. O texugo mais gordo do montado» (p. 90). A fechar, na décima segunda história, surge ainda a rã que não era rã, mas que podia ter sido rooter ou parceira musical do lagarto que tinha a mania que era importante («12. Uma rela» – p. 100).
Todo o relato coloca face a face o pequeno Tukie – e por vezes também a mãe – e o seu pai. É pois sobretudo à boca de cena que a interpretação de todo este milagre natural é expiado. Sob o olhar mais presente do que atento das personagens a quem foram confiadas as efígies do pano de fundo. Curiosamente, a figura da iniciação é quase sempre substituída por uma outra que não se confunde nem com a parábola, nem com a passividade de um preceptor à «Émile», de Rousseau. Em «O Sorriso Enigmático do Javali», de António Manuel Venda, é a ambiguidade das respostas do pai (ou ocasionalmente da mãe) e, por vezes, a própria aura do irrespondível que tomam conta da cena. Acaba por ser este o modo de a narrativa melhor relevar e até significar uma metamorfose que jamais se aclara e que jamais se consuma. A eficácia da ambiguidade criada é óbvia, já que é por causa dela que se cria, ao longo das doze histórias, um espaço – ininterruptamente aberto (é esse o nome do enigma que dá nome ao livro) – que acaba por ser povoado pelo sortilégio, pelo fascínio e pelo encantamento.
A ambiguidade é gerada de formas díspares. Ou adiando uma resposta clara, o que acontece, por exemplo, em «Gina gineta» («Ficaria para depois o esclarecimento daquela dúvida…») e em «Uma rela» («O pai do pequeno Tukie achou que não era altura de explicar que não se tratava de uma rã mas sim de uma rela.»). Ou referindo explicitamente o conforto de não ter que clarificar, como acontece em «A borboleta do imperador Ming»: «São mentirosos porque…/ Foi então que parou, decidido a não dar explicações que o mais certo seria originarem perguntas mais difíceis.» Ou ainda admitindo simples possibilidades; veja-se: «O pequeno Tukie insistiu, e o pai acabou por ceder um pouco. Se calhar o lagarto era deficiente, tinha nascido assim…» («O lagarto da clave de sol»). Por vezes, a ambiguidade decorre do cariz irrespondível que perpassa as situações, como é o caso de «O texugo mais gordo do montado» («– É um texugo, não é?!/ – perguntou o pequeno Tukie/ E a mãe disse que sim, hesitante. Ela já nem sabia bem.») e de «A águia que subia» («Sabes que pássaros são, mãe?/ A mãe disse-lhe que não, que iam tão alto que nem se atrevia a arriscar uma espécie.»). Outras vezes, a ambiguidade resulta do facto de se deixar simplesmente «no ar» o questionamento: «– Ri de quê?! – perguntou o pequeno Tukie./ Nem era uma pergunta para o pai, nem para o javali. Era apenas uma pergunta que deixava no ar.» («O sorriso enigmático do javali»).
Em todos estes casos, que devolvem abertura intencional ao «‘Porquê’ habitual» referido na penúltima linha do livro, uma certa imobilidade – nada altiva, sublinhe-se – assiste ao galopante vaivém entre o cosmorfismo e o antropomorfismo que constrói toda a malha discursiva. Em «Uma cobra para três corvos», quando o narrador regista – «E ele, o pai, devia dizer que não, com firmeza, mas tal como não conseguia mexer-se também não conseguia falar» –, mais do que precisar os perigos do hipnotismo de uma cobra, acaba sobretudo por definir o tom que celebra toda a estratégia narrativa de «O Sorriso Enigmático do Javali»: um ‘ser ou não ser’ terno, aberto à tentação do inverosímil, pautado pela inocência da dúvida e sustentado por um espaço de feitiço que vai entretendo a realidade como se esta tivesse a invisibilidade do mito.
Como se o casulo nunca se abrisse à borboleta e essa permanência extraordinária fosse a matéria de onde se teria extraído toda a ciência telúrica deste livro que, complementarmente, também escapa à definição de géneros. Romance? Contos? Novela fragmentária? Que interessa isso! Ao fim e ao cabo, trata-se da mesmíssima ambiguidade que se esconderá no gáudio – espero – do leitor, demasiado educado ao percorrer o coração das tramas e ao adicionar-lhes desenlaces que adora imaginar (e com os quais dá sentido à vida).
Concluamos com uma opinião pessoal. «O Sorriso Enigmático do Javali», de António Manuel Venda, é um «Livro de Horas» – como se designava na Idade Média o misto de iluminuras, salmos, orações e textos muito variados –, enunciando-se sadiamente liberto de referências pesadas, ungido de simplicidade e acabando por fundir ou confundir o relato com a liturgia da vida, ou não fosse boa parte do narrado, quase de certeza, de teor biográfico… Aparecendo o narrador pelo buraco da agulha um pouco mal escondido, aliás em coerência plena com a arquitectura da própria obra.

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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Um pequeno texto

Pequeno texto de Fernando Sobral, publicado a 21.05.10 no suplemento «Weekend», do «Jornal de Negócios».
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Poucos escritores portugueses conseguem, como António Manuel Venda, encerrar a vulnerabilidade do mundo rural numa gaiola de palavras. As suas personagens dão-se mal com a urbanidade e por isso precisam dos grandes espaços que ainda não foram consumidos pelo betão e pela chamada modernidade. As histórias que aqui encontramos têm personagens idênticas, como o pequeno Tukie, mas o seu traço unificador é a paisagem onde animais nómadas se cruzam com pormenores a que já não se dá atenção nas grandes cidades. A beleza da escrita de António Manuel Venda radica na forma como consegue descrever estas pequenas dádivas da natureza, como se tudo fossem contos de embalar. Uma beleza em forma de livro.
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Sessão de lançamento do livro

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um livro comprado na feira

Texto de Cristina de Carvalho, sobre «O Sorriso Enigmático do Javali», comprado na Feira do Livro de Lisboa (texto publicado aqui).
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Gostaria de ter estado no sábado [15.05.10] à tarde na Feira do Livro, no stand da Quetzal – estava lá António Manuel Venda. Queria cumprimentá-lo e comprar o seu novo livro. Mas não pude. Passei por lá mais tarde – foi mesmo pouco mais que uma passagem: estava frio. Fui directamente à Quetzal. Não, não sabiam se tinham o livro!
– Já está disponível online e deveria ser distribuído ontem nas livrarias – acrescentei.
– Só se for ali atrás, onde estão as novidades...
E estava, claro. A parede esquerda cheiinha de sorrisos, que é como quem diz, forrada com exemplares de «O Sorriso Enigmático do Javali. Um veio comigo.
Que agradável leitura! Que tranquilidade vivemos no montado, que inquietações partilhamos com o pequeno Tukie, de tão próximo nos sentarmos a seu lado. É uma imensa ternura pelo pequeno Tukie o que sentimos quando acaba por adormecer. Já a vínhamos experimentando desde o princípio, quando partilhamos a aventura e o espanto por detrás da objectiva da máquina fotográfica.
Deixemos descansar o pequeno Tukie, que ainda agora adormeceu. E a mãe e a bebé, que já dormiam antes de a rela vir dar corpo à última aventura.
Mas amanhã teremos de nos juntar ao pequeno Tukie.
Dizer baixinho o nome da gineta.
Acreditar que o lagarto sabe desenhar.
Guardar um exército numa borboleta colorida.
Queremos saber tudo. O javali parou ou curou-se da doideira?
Por que tem o deputado apenas uma parte da cabeça?
Por que é que os políticos são mentirosos?
Ah, e quem dera deixar todas as cobras no estendal!

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Uma das personagens

Uma das personagens do livro, o ouriço.
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terça-feira, 18 de maio de 2010

Um texto de António Souto

Texto de António Souto, outro dos primeiros leitores de «O Sorriso Enigmático do Javali».
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Um sorriso de encantar
Doze contos, tantos quantos os meses do ano. Assim se anuncia o recente livro de António Manuel Venda, «O Sorriso Enigmático do Javali» (Quetzal, 2010). Espécie de ciclo, um ciclo, numa progressão narrativa que por vezes não se inibe de recuperar, em estratégia de verosimilhança, informação de contos anteriores e até mesmo de obras publicadas. Contos que se traduzem em histórias dentro de uma história maior. Porventura a da escrita e de quem a escreve ou vai escrevendo.
O narrador sabe do que fala e dos que falam (gente ou não, animais ou não, que a flora e a fauna estão bem presentes e ganham vida). Um narrador que sabe como sonha uma criança, ou como lhe nascem os sonhos. Um narrador-pai, em suma, ou um narrador-autor(?).
Tukie, pequeno protagonista, tem uma irmã, bebé imperturbável, alheia ainda à natureza e à natureza das coisas; uma mãe que assoma nas narrativas como quem vem ao encontro das circunstâncias e vigia e socorre os filhotes de duvidosas ameaças; um pai que viaja bastante por força do trabalho que tem na capital mas que não perde pitada das proezas que se passam em derredor da casa.
Uma casa em pleno montado, uma casa acolhedora e protectora, porém aberta ao exterior e aos que nele habitam, os animais que vêm e vão, que por ali cirandam familiarizados.
Tukie cresce à solta, quase sempre ao lado do pai, sob o seu olhar atento, e enquanto cresce faz a aprendizagem da vida numa caminhada iniciática. Uma criança feliz com as descobertas do quotidiano, dos seus sólitos e insólitos casos, tudo num contar bonito e meigo roçando um realismo mágico, entre um maravilhoso e um fantástico pouco frequente na nossa literatura.
Poder-se-á dizer que este conjunto de contos (romance?) cativa qualquer leitor que se deixe envolver em cada um deles, sobretudo o leitor que conhece os mistérios da terra (ou que os queira desvendar um bocadinho), como num regresso à infância, a uma infância impregnada de momentos deliciosos de humor.
Dir-se-á, uma obra de encantar!
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Feira do Livro de Lisboa

Sábado, 15 de Maio de 2010.
Foto: Rui Rodrigues
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domingo, 16 de maio de 2010

Certamente um dos primeiros leitores

Recebido por e-mail no dia em que o livro foi para as livrarias (14.05.10), de um dos primeiros leitores de «O Sorriso Enigmático do Javali». Publico aqui o texto, após ter tido o consentimento do autor.
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Ontem reservei um exemplar de «O Sorriso Enigmático do Javali» na Bertrand do Rio Sul. E hoje, pelas dez horas – para me obrigar a fazer exercício –, fui até lá a pé. O centro comercial fica junto a uma localidade chamada Torre da Marinha, a mais de quatro quilómetros da minha casa.
Antes de falar sobre o livro, devo dizer que fiz questão de não ler qualquer excerto relacionado com o mesmo. Por isso, até ontem só conhecia a capa e só hoje conheci o conteúdo.
Quando abandonei a livraria, decidi beber uma água na esplanada (interior) dos restaurantes, que àquela hora estava quase deserta. Beber uma água e descansar um pouco as pernas, antes de palmilhar os restantes quatro quilómetros da jornada. E foi ali mesmo que li o primeiro conto – o das perdizes. E só agora, às cinco da tarde, consegui fechar o livro, muito devagar, de modo a não perturbar o sono do Tukie, embora com a quase certeza de que, um dia destes, voltarei a ter notícia de novas aventuras do petiz.
Que dizer sobre o livro?
Estou naquela situação de alguém que quer dizer tanta coisa mas que não sabe por onde começar. Todavia, para arrumar ideias, vou começar pela emoção, que é para mim o primeiro critério na apreciação de qualquer obra, isto é, o nível de emoção que ela consegue despertar. Emoção e identificação. A meu ver, se não há emoção não há arte. A julgar pelo que sinto, creio que a esmagadora maioria dos leitores se identificará com o Tukie e ligará as suas memórias de criança às aventuras deste pequeno herói.
De qualquer modo, este livro surpreendeu-me. Na realidade, eu estava à espera de um romance ou de uma novela. Apesar disso, encontro algumas coisas em comum com o anterior («Uma Noite com o Fogo»). Refiro-me não só à ligação à terra, à natureza, mas também à observação atenta, requisito indispensável a qualquer escritor. Tal como o anterior, este livro revela a capacidade de olhar para além da superfície das coisas e para perscrutar as emoções próprias e alheias. Este livro é o resultado inevitável do caldear das memórias do autor (o pai) com a sua capacidade para decifrar os espantos genuínos do filho.
A escrita flui bem e recorre de quando em vez ao suspense, embora os contos terminem, normalmente, numa atmosfera serena que se coaduna com o género.
Em resumo: gostei do tema, do tom e do estilo e bom seria que todas as escolas (pelo menos as do ensino básico) pudessem dispor de um ou dois exemplares nas suas bibliotecas; até porque – hoje em dia – são poucas as crianças dos meios urbanos que têm a felicidade de poder experimentar este tipo de vivências junto de quem as possa guiar no relacionamento com o mundo envolvente.
Manuel Ramalhete
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